- Mas, onde está o teu filho, agora? - Perguntei-lhe.
Falava com uma pessoa "formada", dessas por aí que dizem não precisar das "novas oportunidades", pois se até já « tinha uma licenciatura e estava agora a fazer um mestrado!», conforme já me tinha repetido por diversas vezes! Foi quase uma hora de "enorme seca", conheceu-me (afinal tinha sido outrora - leia-se há cerca de vinte anos - uma aluna minha, numa Escola do interior, das muitas por onde palmilhei). Beijocou-me na rua e quase achou um "sacrilégio" eu não a ter (re)conhecido... Disparou por lá meia dúzia de coisas sobre a escola de ontem e sobre o meu "retrato de então"... pintou-me com umas cores à mistura do lúdico, da competência, mas sobretudo do rigor! Sorri, baixinho! Disse em seguida que nesse tempo é que era "bom"! Hoje "era uma desgraça", que reparasse eu nesta "última do Sócrates", "feriado" no dia 13 de Maio... "Ele não pensou nos pobres dos pais, "quem não tem onde pôr os filhos, como havia de fazer?!" Engoli, mais uma vez em seco e (re)perguntei:
- Mas, onde está o teu filho,agora?
- ... Onde está? O meu filho foi para a Escola!
- PARA a Escola? -retorqui.
- Sim PARA a Escola! - respondeu com uma mistura de altivez!
- Porque é que dizes "PARA a Escola" e não dizes "À Escola"?
- Desculpe, professor, mas não estou a entender...
- Pois... repara bem, quando levas o teu filho ao Hospital, como dizes? "Vou ao Hospital!". Quando o levas de férias, como dizes? "Vou à praia"!. Quando o levas Igreja como dizes? "à missa", "à Catequese"... e mesmo quando o levas a casa dos teus pais, como lhe dizes? "Vamos aos avós", é ou não é? E dizes isso noutras quaisquer situações... "ao tio", "ao cinema", "ao Shoping", "à rua", "ao restaurante". Só no que respeita à Escola... vós os pais de hoje dizeis sempre "PARA a Escola" e nunca "À Escola"!
- E... isso que interessa, professor?
Parei por um instante e tentei que me acompanhasse no meu pensamento...
- Sabes, quando eu fui teu professor, tu ias "À ESCOLA", ias lá, mostravas os trabalhos de casa que eu te tinha marcado, ouvias as lições que eu tinha programado nesse dia para ti, alternadas também com as brincadeiras, as músicas e os jogos... Ao almoço, ias comer a casa dos teus avós, com os teus primos, depois quando a Escola reabria, voltávamos ao trabalho, aos Problemas, à Leitura, ao Canto, ao Jogo, sei lá... Depois saías e ias PARA casa da tua avó, PARA casa da tua vizinha, PARA casa da tua tia... Mas, o que quero dizer é que tu ias À ESCOLA e não ias PARA A ESCOLA!
- E não é a mesma coisa?!
-Não...Nem penses! Quando se vai "À ESCOLA"... pressupõe-se que, à partida, todos os intervenientes, professores, pais, alunos, etc., sabem "o que se vai" lá fazer. Ou seja os objectivos estão devidamente definidos, as metas devidamente traçadas, as estratégias, os percursos, os meios, os recursos, o próprio tempo... tudo se encontra devidamente definido e todas as partes conhecem perfeitamente as regras, ou seja o QUE É, e o QUE NÃO É.
- E quando se diz "PARA A ESCOLA", não é a mesma coisa?
- Não, não é! Confesso-te que fico com as impressão que os pais de hoje e neste caso tu também, que vedes a Escola como um lugar de "Despejo", "Arremesso", ou mesmo uma instituição que tem por princípio tomar-vos conta dos filhos, enquanto vós ides para os vossos empregos, para as vossas tarefas, ou mesmo para os vosso devaneios... por isso é que dizeis que os vossos filhos foram "PARA A ESCOLA". Tudo isto é fruto duma filosofia muito perigosa de encarar hoje a Escola, porque vos desresponsabilizais de algumas obrigações importantes para com os vossos filhos, que julgais que a Escola fornece... mas enganais-vos! Há coisas que os vossos filhos - tal como vós ontem! - precisavam de aprender e não aprendem, mas que vós aprendestes com os vossos pais, com os avós, com os primos, com os tios, com os vizinhos.... Os vossos filhos hoje entram na Escola às 9h e saem muitas vezes às 17 e mais tarde. E vós não fazeis ideia, nessas 8h que passaram, do turbilhão de coisas que aconteceram... algumas boas, mas outras más e outras talvez muito nocivas!
- Oh, professor, deixe-se de coisas. A Escola de hoje é totalmente diferente, nós ontem fomos uns miseráveis! Esta canalha hoje tem tudo: livros, comida bebida, filmes, músicas, brincadeiras... ah quem me dera que no nosso tempo fosse assim!
- Não disseste há pouco que "nunca me ias esquecer" e que tinhas "saudades da nossa Escola"? Não recordaste comigo os "nossos jogos", as "nossas festas", os "nossos passeios" e até... aquela "ida à praia pela primeira vez"... alunos, pais, irmãos mais velhos e até o senhor presidente da Junta!...
- Bem... isso é verdade. E digo-lhe mais, éramos mais felizes que esta canalhada de hoje! Nós éramos desenrascados, corríamos, saltávamos, pulámos à corda, jogávamos ao pião, à barra-forte, ao piro-galo, nós pintávamos o diabo, professor! A canalha de hoje é uma desgraça... parecem uns tonhós... não têm aquele rasgo e aquela genica cá do nosso tempo! E quando não havia aulas, professor, você não faz ideia, era um dia inteiro de rinchedo uns com os outros! Os primos, as primas, os tios, as tias, os avós... tudo parecia que tinha pilhas "Duracel" e pela aldeia fora parecia que andava mesmo o diabo à solta!...
- Pois é, minha querida, é que no vosso tempo as crianças iam À ESCOLA... agora vão PARA A ESCOLA! E, acredita que, apesar de ao nível das instalações, comodidades e mesmo espaços estarem bastante melhor, existem outras enormes diferenças!... E são diferenças tais que demorarão muito tempo até serem percebidas e sobretudo sentidas!
publicado por eduardus às 13:56 link do post
Falava com uma pessoa "formada", dessas por aí que dizem não precisar das "novas oportunidades", pois se até já « tinha uma licenciatura e estava agora a fazer um mestrado!», conforme já me tinha repetido por diversas vezes! Foi quase uma hora de "enorme seca", conheceu-me (afinal tinha sido outrora - leia-se há cerca de vinte anos - uma aluna minha, numa Escola do interior, das muitas por onde palmilhei). Beijocou-me na rua e quase achou um "sacrilégio" eu não a ter (re)conhecido... Disparou por lá meia dúzia de coisas sobre a escola de ontem e sobre o meu "retrato de então"... pintou-me com umas cores à mistura do lúdico, da competência, mas sobretudo do rigor! Sorri, baixinho! Disse em seguida que nesse tempo é que era "bom"! Hoje "era uma desgraça", que reparasse eu nesta "última do Sócrates", "feriado" no dia 13 de Maio... "Ele não pensou nos pobres dos pais, "quem não tem onde pôr os filhos, como havia de fazer?!" Engoli, mais uma vez em seco e (re)perguntei:
- Mas, onde está o teu filho,agora?
- ... Onde está? O meu filho foi para a Escola!
- PARA a Escola? -retorqui.
- Sim PARA a Escola! - respondeu com uma mistura de altivez!
- Porque é que dizes "PARA a Escola" e não dizes "À Escola"?
- Desculpe, professor, mas não estou a entender...
- Pois... repara bem, quando levas o teu filho ao Hospital, como dizes? "Vou ao Hospital!". Quando o levas de férias, como dizes? "Vou à praia"!. Quando o levas Igreja como dizes? "à missa", "à Catequese"... e mesmo quando o levas a casa dos teus pais, como lhe dizes? "Vamos aos avós", é ou não é? E dizes isso noutras quaisquer situações... "ao tio", "ao cinema", "ao Shoping", "à rua", "ao restaurante". Só no que respeita à Escola... vós os pais de hoje dizeis sempre "PARA a Escola" e nunca "À Escola"!
- E... isso que interessa, professor?
Parei por um instante e tentei que me acompanhasse no meu pensamento...
- Sabes, quando eu fui teu professor, tu ias "À ESCOLA", ias lá, mostravas os trabalhos de casa que eu te tinha marcado, ouvias as lições que eu tinha programado nesse dia para ti, alternadas também com as brincadeiras, as músicas e os jogos... Ao almoço, ias comer a casa dos teus avós, com os teus primos, depois quando a Escola reabria, voltávamos ao trabalho, aos Problemas, à Leitura, ao Canto, ao Jogo, sei lá... Depois saías e ias PARA casa da tua avó, PARA casa da tua vizinha, PARA casa da tua tia... Mas, o que quero dizer é que tu ias À ESCOLA e não ias PARA A ESCOLA!
- E não é a mesma coisa?!
-Não...Nem penses! Quando se vai "À ESCOLA"... pressupõe-se que, à partida, todos os intervenientes, professores, pais, alunos, etc., sabem "o que se vai" lá fazer. Ou seja os objectivos estão devidamente definidos, as metas devidamente traçadas, as estratégias, os percursos, os meios, os recursos, o próprio tempo... tudo se encontra devidamente definido e todas as partes conhecem perfeitamente as regras, ou seja o QUE É, e o QUE NÃO É.
- E quando se diz "PARA A ESCOLA", não é a mesma coisa?
- Não, não é! Confesso-te que fico com as impressão que os pais de hoje e neste caso tu também, que vedes a Escola como um lugar de "Despejo", "Arremesso", ou mesmo uma instituição que tem por princípio tomar-vos conta dos filhos, enquanto vós ides para os vossos empregos, para as vossas tarefas, ou mesmo para os vosso devaneios... por isso é que dizeis que os vossos filhos foram "PARA A ESCOLA". Tudo isto é fruto duma filosofia muito perigosa de encarar hoje a Escola, porque vos desresponsabilizais de algumas obrigações importantes para com os vossos filhos, que julgais que a Escola fornece... mas enganais-vos! Há coisas que os vossos filhos - tal como vós ontem! - precisavam de aprender e não aprendem, mas que vós aprendestes com os vossos pais, com os avós, com os primos, com os tios, com os vizinhos.... Os vossos filhos hoje entram na Escola às 9h e saem muitas vezes às 17 e mais tarde. E vós não fazeis ideia, nessas 8h que passaram, do turbilhão de coisas que aconteceram... algumas boas, mas outras más e outras talvez muito nocivas!
- Oh, professor, deixe-se de coisas. A Escola de hoje é totalmente diferente, nós ontem fomos uns miseráveis! Esta canalha hoje tem tudo: livros, comida bebida, filmes, músicas, brincadeiras... ah quem me dera que no nosso tempo fosse assim!
- Não disseste há pouco que "nunca me ias esquecer" e que tinhas "saudades da nossa Escola"? Não recordaste comigo os "nossos jogos", as "nossas festas", os "nossos passeios" e até... aquela "ida à praia pela primeira vez"... alunos, pais, irmãos mais velhos e até o senhor presidente da Junta!...
- Bem... isso é verdade. E digo-lhe mais, éramos mais felizes que esta canalhada de hoje! Nós éramos desenrascados, corríamos, saltávamos, pulámos à corda, jogávamos ao pião, à barra-forte, ao piro-galo, nós pintávamos o diabo, professor! A canalha de hoje é uma desgraça... parecem uns tonhós... não têm aquele rasgo e aquela genica cá do nosso tempo! E quando não havia aulas, professor, você não faz ideia, era um dia inteiro de rinchedo uns com os outros! Os primos, as primas, os tios, as tias, os avós... tudo parecia que tinha pilhas "Duracel" e pela aldeia fora parecia que andava mesmo o diabo à solta!...
- Pois é, minha querida, é que no vosso tempo as crianças iam À ESCOLA... agora vão PARA A ESCOLA! E, acredita que, apesar de ao nível das instalações, comodidades e mesmo espaços estarem bastante melhor, existem outras enormes diferenças!... E são diferenças tais que demorarão muito tempo até serem percebidas e sobretudo sentidas!
publicado por eduardus às 13:56 link do post
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