terça-feira, 1 de maio de 2012

Crónica de Miguel Esteves Cardoso


“Às vezes encontramo-nos com a cabeça nas mãos. Tudo o que poderia ter corrido bem correu mal. O mundo, que era igual à vida, afasta-se de repente. Distancia-se e continua a existir, como se nada tivesse a ver ou a haver connosco, como se fizesse questão de mostrar a independência dele, mundo, que não existe só porque nos damos conta dele. A má notícia é má, mas a pior, para quem cá está, é a pessoal. A minha pessoa é a Maria João e a Maria João passa mal. Nem o amor nem a sabedoria médica a podem salvar. Só uma conjunção das duas coisas, mais um acrescento de milagre. O cabrão do cancro alastra-se. Exterminado no pulmão ou na mama, foge para o cérebro, onde se refugia e cresce. Forma uma força da morte, aproveitando as barreiras antigas entre o sangue e o cérebro, que infiltra conforme lhe apetece. Hoje, domingo, é o último dia em que estaremos juntos, dois amores, felizes há quase vinte anos. Amanhã, logo às nove da manhã, estaremos na consulta dos excelentes neurocirurgiões do Hospital de Santa Maria, onde nos avisarão das complicações possíveis. Obama deveria inspirar-se na perfeição clínica e humana do serviço de saúde português e francês. Mas a dor não diminui. Nem a tristeza abranda. Vai morrer o meu amor. Não vai. Como o meu amor por ela, nunca há-de morrer. As coisas acontecem sem acontecer o pensamento nelas. A alma, o coração e a cabeça são coisas diferentes. Que se dão bem. E são amigas. E deixam de ser quando morrem.”


Miguel Esteves Cardoso, Público

Miguel escreveu esta crónica para a sua mulher Maria João Pinheiro que se encontra novamente internada e que está a lutar contra o cancro.

Este início de ano não tem sido fácil para aqueles que estão à minha volta. Já perdi três tios e tenho dois numa situação muito especial... um está internado a lutar pela vida no hospital de Viseu e a minha querida tia e madrinha de casamento está a ser submetida a sessões de quimioterapia numa luta incansável contra o cancro da mama...

Já era altura de alguém encontrar uma cura para esta doença que tantas vítimas faz... 

Sem comentários: